O planejamento estratégico desempenha um papel crucial nos contextos organizacionais, exercendo um impacto significativo na transformação dos negócios. A prática Estuarine Mapping, criada por Dave Snowden, é resultado de quase uma década de experimentação e emerge como uma abordagem capaz de viabilizar uma estratégia eficaz, principalmente diante de contextos mais voláteis.
A ausência de planejamento estratégico tem sido apontada como uma das principais causas do declínio de muitos negócios em organizações de médio e grande porte. Contrapondo-se a isso, a prática em forma de projeto que acontece anualmente é percebida muitas vezes como um exercício abstrato que quando operacionalizado leva a um esgotamento desnecessário sem gerar muito do valor prometido.
De fato, em muitas dessas organizações o planejamento estratégico é visto por aqueles que precisam coloca-lo em prática como um dispendioso playground para consultores e executivos
Olhando agora para as pequenas empresas, dados do IBGE indicam que somente 40,7% delas conseguem se manter no mercado após 5 anos de sua abertura, destacando a falta de um plano estratégico como uma das causas. Explorando ainda mais esses dados, vemos que muitas dessas empresas justificam o não investimento em estratégia devido ao alto custo envolvido ou mesmo por experiências negativas anteriores, ou seja, mesmo com esse grupo a prática parece estar com credibilidade arranhada.
Os problemas nas práticas convencionais
Dentro das práticas convencionais de planejamento estratégico, um dos problemas reside na organização sequencial do fluxo de eventos, que artificialmente tenta simplificar um contexto que é naturalmente complexo. Snowden sugere que a dinâmica dos negócios em contextos complexos se assemelha mais a um estuário do que a um rio, implicando em múltiplos fluxos ocorrendo em diferentes direções simultaneamente, com uma dependência energética fortemente influenciada pelo contexto.
Ele destaca a importância de focalizar na identificação dos múltiplos fluxos do contexto e compreender a disposição dos elementos que impactam a estratégia para que, em ambientes mais complexos, uma estratégia eficaz possa surgir diante da incerteza inerente aos negócios.
Um outro problema comum dessas práticas é a distância criada entre estratégia e tática, que normalmente são tratadas com dinâmicas e pessoas diferentes. No Estuarine Mapping, estratégia e tática são combinadas no mesmo framework, e muito da tomada de decisão é distribuída para as pontas, como uma forma de acelerar experimentação e economizar tempo e dinheiro.
Descobrindo o futuro ao longo da jornada
Ao adotar o Estuarine Mapping como uma prática dentro de uma empresa ou área de negócios, rompemos com a abordagem convencional e abstrata de planejamento estratégico, focando na criação de um senso de direção contínuo e na identificação explicita do que é, e não é, possível de ser mudado. Este processo, que pode tanto ser um evento “pré-estratégia” ou mesmo representar a própria estratégia, trabalha com possibilidades evolucionárias do presente através de múltiplas jornadas exploratórias e se abre para descobertas no caminho.
Diferentemente das práticas convencionais, que muitas vezes ignora o esforço tático das coisas, o Estuarine Mapping busca entender o tempo e a energia necessários para cada elemento a ser mudado ou transformado no negócio, evitando priorizar ações que consumiriam recursos excessivos desnecessariamente. O objetivo é reduzir o custo de intervenção, direcionando esforços de forma eficiente para alcançar uma estratégia bem-sucedida.
Principais benefícios do Estuarine Mapping
- Ter senso realista de direção: Compreender nossa posição atual e, a partir desse ponto, desenvolver um senso de direção tem se revelado mais eficaz do que estabelecer objetivos abstratos ou elaborar desenhos ambiciosos pouco alinhados com a realidade.
- Segurança para explorar possibilidades: Em vez de empreender um extenso projeto estratégico, optar por realizar múltiplos microprojetos que experimentam de maneira segura as intervenções necessárias e desejadas.
- Reduzir o custo de intervenção: Diminuir o custo de intervenção, influenciando tanto a energia quanto o tempo, nas mudanças ou transformações necessárias para a concretização da estratégia.
- Mais pragmatismo, menos abstração: Aplicar a decomposição de situações possibilita a abordagem estratégica em um nível de granularidade que fuja dos objetivos abstratos.
- Identificar problemas com clareza: Obter uma visão mais nítida e reconhecer aquilo que está além de nossa capacidade de mudança, ao mesmo tempo em que identificamos e monitoramos elementos sobre os quais não exercemos controle na mudança, revela-se fundamental.
Democratizando a prática da estratégia
Percebo que este tipo de abordagem pode representar um passo inicial para que as organizações compreendam que, assim como transformação, a estratégia também deve acontecer de forma contínua, escapando da rigidez de calendários preestabelecidos.
No Brasil, pelas movimentações que tenho observado enquanto interajo com indústria, governo e ONGs, o Estuarine Mapping tem tudo para se tornar amplamente utilizado, justamente por empregar dinamismo, eficiência e democratização na prática da estratégia.
Ou seja, muitas daquelas empresas que tem se afastado do exercício de estratégia, seja pelo alto custo ou decepção com a prática convencional, podem encontrar no Estuarine Mapping o pragmatismo que procuravam.
Ao encarar a complexidade frente-a-frente, sem tentar simplificá-la, essa prática não apenas proporciona clareza e eficiência, mas, acima de tudo, instiga uma compreensão mais profunda de que as estratégias devem ser moldadas pela dinâmica real e em constante evolução dos negócios.