Em tempos de disrupção contínua, expectativas crescentes de stakeholders e pressão por resultados de curto prazo, líderes empresariais enfrentam um dilema estratégico: como equilibrar a excelência operacional de hoje com a necessidade de transformação para o amanhã?
É nesse contexto que o framework dos três horizontes temporais tem ganhado atenção renovada. Provavelmente, quando alguém cita sobre “Horizontes H1-H2-H3″ em uma reunião estratégica, o que vem à mente é o modelo da McKinsey, com foco na gestão do crescimento corporativo. É o modelo que defende o H1 como o core business atual, o H2 como inovações incrementais e o H3 como inovações disruptivas, e a sugestão de equilíbrio de investimentos nos três horizontes em paralelo.
Porém, existe um segundo modelo também conhecido como “Três Horizontes” (3H), desenvolvido por Bill Sharpe e o International Futures Forum, mais voltado à condução de transições sistêmicas e futuros desejáveis. Ambos os modelos compartilham a ideia de três horizontes simultâneos, mas operam sob pressupostos profundamente diferentes e complementares.
Neste artigo, exploramos a abordagem 3H do International Futures Forum, e mostramos como líderes empresariais podem utilizá-la para lidar com os desafios estratégicos do presente e construir relevância no longo prazo.

Enquanto o modelo da McKinsey busca otimizar a lógica de crescimento sob incerteza, o framework criado por Bill Sharpe e apresentado no livro Three Horizons: The patterning of hope (2013) parte de uma inquietação distinta: como podemos sustentar sistemas em transição enquanto cultivamos futuros alternativos mais justos, regenerativos ou resilientes?
Neste modelo, os três horizontes são entendidos como padrões simultâneos de mudança em qualquer sistema: seja um mercado, um modelo de negócio ou um campo social. Eles representam:
- H1, o sistema dominante: Práticas estabelecidas que ainda são eficazes, mas começam a apresentar sinais de declínio ou inadequação frente a novos desafios.
- H2, a zona de transição: Espaço de tensão e experimentação onde ocorrem tanto inovações progressistas que antecipam o futuro (o que Sharpe chama de H2+) quanto oportunidades reativas que dão sobrevida ao H1 (o que Sharpe chama de H2-).
- H3, o futuro emergente e desejável: Visões de transformação que, embora minoritárias no presente H1, apontam para possibilidades de futuro mais adequadas ao mundo em mudança.
A aplicação desse framework não é prescritiva. Trata-se de um processo de sensemaking coletivo, que convida lideranças a identificar quais forças precisam ser preservadas (H1), quais devem ser superadas (H1 decadente), quais experimentações devem ser amplificadas (H2 transformador) e quais cenários de futuro (H3) merecem mais espaço estratégico.
Esse modelo é especialmente útil em cenários complexos e não lineares, como transições ESG, inovação de impacto, redesenho de cadeias de valor e transformação cultural.
Case NHS, o sistema de saúde do Reino Unido
No Reino Unido, o NHS (National Health Service) usou o framework dos Três Horizontes para traduzir seu ambicioso “Plano de 10 anos” em uma estratégia prática de transformação. O desafio era claro: sem essa lente, o risco seria se manter indefinidamente no trabalho corriqueiro (ou no jargão administrativo, no “business as usual”), com listas crescentes de iniciativas sobre um sistema já fragmentado e sobrecarregado.
O framework ajudou a estruturar de maneira integrada três estratégias essenciais – do hospital para a comunidade, do analógico para o digital e do tratamento da doença para a prevenção e promoção da saúde. Na prática, isso significou equilibrar a estabilização do sistema atual (H1), a construção de cenários futuros baseados em prevenção, participação e bem-estar ecológico (H3), e o desenho de inovações de transição (H2) do H1 para o H3.
O resultado foi mais do que um plano de performance: criou-se uma arquitetura de transformação que dá sentido às pressões de curto prazo enquanto abre espaço para futuros sustentáveis e centrados nas comunidades.
As curvas sinuosas do “Flexuous Curves“
Uma alternativa aos Três Horizontes como dinâmica de transformação é o “Flexuous Curves”, framework criado por Dave Snowden como parte do Ecossistema Cynefin. Assim como o 3H propõe três curvas que representam cenários que se alternam abrindo espaço para novos cenários, no Flexuous Curves temos duas curvas que representam uma dinâmica semelhante:

No Flexuous Curves (FC), uma ideia representada pela curva verde nasce como uma inovação (1), atravessa uma fase de transição (2) e ganha tração (3) até atingir seu ápice (4). Já a ideia atual representada pela curva vermelha atinge seu ápice e entra em declínio (5) ou em uma possível recuperação (6). Os cruzamentos entre as curvas geram pontos de inflexão que representam a intersecção entre as ideias (alfa α), a percepção de disrupção (beta β), o espaço entre o ápice da ideia atual e o abismo da inovação (gama γ), a transição final entre as duas curvas (omega Ω) e o declínio da ideia atual (delta δ). Como tudo o que envolve o ecossistema Cynefin, essas lentes ajudam a compreender a realidade e a iluminar a tomada de decisão.
Uma comparação possível do Flexuous Curves com o 3H é que o H1 (estado atual) pode ser representado pela área da esquerda do FC, o H2 (estado de transição) pode ser representado pela área central do FC, e o H3 (estado futuro) pode ser representado pela área da direita do FC. Porém, embora o FC tenha sido criado para ser aplicado como uma leitura retroativa do passado (por exemplo, o Instagram ocupando o espaço da Kodak), nada impede a sua aplicação como mapeamento de cenários futuros, se aproximando dos Três Horizontes de Bill Sharpe.
Comparando os três modelos: ferramentas para diferentes tipos de leitura

Enquanto o framework da McKinsey é uma ferramenta de delivery estratégico, o do IFF é uma lente de diagnóstico transformacional, assim como o FC é uma lente de compreensão sobre transformações. Todos são essenciais, mas em momentos diferentes do ciclo de decisão.
Três recomendações práticas para executivos
1. Evite a armadilha da linearidade – Trate os Três Horizontes como domínios coexistentes, não como fases sequenciais. As organizações que mais se destacam são ambidestras: operam o presente com excelência e constroem o futuro com intenção.
2. Dê propósito ao portfólio – Use o modelo da McKinsey para estruturar investimentos e medir performance em múltiplos horizontes. Mas complemente com a abordagem do IFF para garantir que as apostas em H3 estejam ancoradas em valores, visão de mundo e relevância social.
3. Crie espaços de transição – Muitas inovações fracassam não por falhas técnicas, mas por falta de legitimidade interna. O H2 é a zona onde novas ideias precisam ser protegidas, testadas e traduzidas. Estimule a convivência entre veteranos e inovadores, para que a organização possa aprender com suas tensões.
Em última análise, os dois modelos dos três horizontes e o Flexuous Curves oferecem uma mesma provocação: o futuro não acontece de uma vez, ele começa no presente, em pequenos sinais, apostas corajosas e decisões estratégicas não óbvias.
Para líderes seniores, integrar essas abordagens significa ser ao mesmo tempo guardião da realidade e curador do possível. Mais do que prever o que virá, trata-se de criar as condições para que múltiplos futuros sejam viáveis, relevantes e sustentáveis.
Em um mundo em mutação, estratégia não é apenas competir: é evoluir com consciência.