Trilhas

O Fim das Squads – Parte 2: O potencial impacto da IA nas estrutura organizacionais

Como a ascensão da IA generativa desafia a estrutura tradicional das squads e redefine o trabalho em times.

Em novembro de 2022, o mundo testemunhou algo que nos fez lembrar do final do século passado, quando nos espantávamos e maravilhávamos com o avanço da internet. O lançamento do ChatGPT trouxe à tona a Inteligência Artificial Generativa (GenAI) para milhões de pessoas em questão de dias. Para quem trabalha com tecnologia, especialmente na disciplina de desenvolvimento de software, o impacto foi imediato – e avassalador.

O que parecia futurismo distante, de repente, estava em nossas mãos: com poucas palavras e cliques, pessoas de diferentes áreas experimentavam ganhos concretos: escrever textos, responder e-mails, traduzir conteúdos, criar apresentações, planejar projetos, organizar ideias. De repente, muitos se viram mais produtivos em atividades que antes dependiam de outras pessoas ou de um processo demorado para ser completado. Mesmo com limitações e alucinações, era evidente que aquilo estava só começando – e que a curva de evolução seria exponencial.

De fato, o fenômeno não parou ali.

Em poucos meses, surgiram ferramentas especializadas: GitHub Copilot, Amazon CodeWhisperer, Cursor AI, entre tantas outras. A disciplina de desenvolvimento de software, acostumada a valorizar linhas de código escritas por um humano, viu-se diante de um novo paradigma: a velocidade de produção e a qualidade do código passaria a depender tanto da habilidade de programar quanto da capacidade de colaborar com uma inteligência artificial.

Exemplos concretos não faltam:

  • A GitHub, em estudo realizado em parceria com a Universidade do Estado de Nova York (SUNY, 2023), apontou que desenvolvedores que usaram Copilot completaram tarefas 55% mais rápido do que aqueles que codificaram manualmente.
  • A Twilio, ao adotar copilotos internos para tarefas de manutenção de sistemas legados, reportou uma redução de 25% nos bugs em produção em apenas três meses de uso intensivo.
  • A Duolingo relatou que o uso de IA para suporte à engenharia acelerou o time-to-market de novos recursos em cerca de 30% no segundo semestre de 2023, segundo seu próprio CTO.
  • O Itaú Unibanco reportou uma redução de 88% no tempo médio de refinamento de User Stories, eliminando um gargalo que atrapalhava o trabalho de Product Managers e Squads e limitava o tempo de resposta ao mercado.
  • A Salesforce anunciou que não contratará nenhum engenheiro neste ano devido aos ganhos de produtividade proporcionados por agentes de IA.

Mas se o salto de produtividade por si só já impressiona, os efeitos qualitativos mostram que o jogo estava realmente a caminho de mudar de vez. Enquanto muitos esperavam os depoimentos frustados de engenheiros e designers de produtos digitais, esses começaram a reportar que, depois de trabalhar lado a lado com IA, não conseguiam mais imaginar voltar a ambientes que não oferecessem essa nova forma de operar.

Não estamos falando de ganhos incrementais, mas de saltos estruturais. Por mais que existam riscos, e eles são reais, como veremos no fim desta série, é impossível ignorar o impacto profundo que essa transformação já está provocando nas organizações e no dia a dia dos profissionais.

A Emergência dos Agentes Inteligentes

Hoje, não estamos mais falando apenas de “assistentes” que sugerem trechos de código ou gráficos para um slide. Estamos falando de agentes autônomos, capazes de interpretar requisitos e dados, gerar arquiteturas de solução, abrir pull requests e até orquestrar a integração de microserviços – tudo isso com supervisão mínima.

Frameworks como AutoGPT, BabyAGI e Devin estão redefinindo o papel do desenvolvedor. Em vez de ser o executor final de tarefas manuais, o profissional passa a ser um supervisor e refinador de sistemas inteligentes, alguém que sabe guiar, criticar e aprimorar o trabalho gerado automaticamente.

E embora o desenvolvimento de software esteja na vanguarda dessa transformação, áreas como marketing, suporte ao cliente, jurídico e operações já começam a trilhar o mesmo caminho.

Um Descompasso Estrutural

E é aqui que a tensão se intensifica.

Enquanto a tecnologia avança em ciclos cada vez mais curtos, as estruturas organizacionais que sustentam o trabalho de desenvolvimento ainda operam sob lógicas e premissas que remontam ao fim do século passado.

Historicamente, as tecnologias emergentes sempre moldaram as estruturas organizacionais. A Revolução Industrial consolidou o modelo de hierarquias rígidas e produção em massa. A popularização dos computadores nos anos 1980 e da internet nos anos 1990 abriu caminho para organizações mais distribuídas e formas de trabalho baseadas em redes.

Cada grande onda tecnológica reorganizou não apenas o que fazemos, mas como nos organizamos para fazer. Por que seria diferente agora, com a Inteligência Artificial?

Squads, Tribos, Backlog, QBRs, Sprints… todos pressupõem equipes relativamente estáveis, compostas por diferentes especialidades humanas, trabalhando em coordenação para entregar incrementos de produto. Essa lógica se fundamenta na premissa da escassez: escassez de capacidade de produção, escassez de conhecimento técnico acessível, escassez de ferramentas para acelerar e melhorar o trabalho.

Mas o que acontece quando, de repente, o conhecimento técnico é imediatamente acessível e ferramentas conseguem fazer em minutos o que antes levava semanas ou meses?

A base sobre a qual erguemos essas estruturas começa a ruir.

Reflexões Incômodas

Se um programador, ou outro perfil profissional, assistido por IA pode ser duas, três, cinco vezes mais produtivo – será que ainda faz sentido organizar times do mesmo tamanho e com a mesma estrutura? E se, além disso, esse profissional não se vê mais trabalhando da forma que fazia antes tamanho são os benefícios que a IA adicionou ao seu trabalho.

Se a produção de valor pode não mais depender linearmente da quantidade de pessoas, mas da eficácia da interação homem-máquina, como devem ser os novos modelos de colaboração?

Será que squads, como os conhecemos, ainda são a unidade organizacional mais adequada?
Ou será que, assim como nas revoluções tecnológicas anteriores, estamos apenas tentando prolongar estruturas que já não fazem mais sentido?

Essa foi uma pergunta incômoda que me desafiou no fim de 2023, e que contarei mais no próximo artigo desta série.

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