O valor prático do Cynefin® para executivos

Como a prática deste framework pode ajudar na tomada de decisão contextualizada e acabar com o mito do “chefe do mau” vs “líder do bem”.

O cotidiano dos executivos, seja em grandes ou pequenas empresas, é repleto de situações que exigem tomada de decisões. Seja na priorização ou não de uma agenda, na mentoria aos liderados, nas disputas orçamentárias, nos desligamentos, ou ainda, nos projetos estratégicos.

Um dos problemas relacionados à tomada de decisão é que muitas vezes isso é atribuído ao “estilo” da pessoa que toma a decisão. Por exemplo, Maria é inovadora e por isso toma decisões inovadoras; João é conservador, então é sempre comedido ao risco. Mas será mesmo que isso funciona ou deveria funcionar assim?

O framework Cynefin, criado pelo consultor britânico Dave Snowden, mostra que decisões devem ser tomadas de acordo com o contexto da situação em questão, e não a partir do “estilo” do tomador de decisão. Ou seja, se Maria entende que a decisão que precisa tomar está dentro de um contexto previsível, ela deve entender que não é hora de inovar (independentemente do seu ímpeto para isso) e utilizar um comando mais rígido de gestão; mas se estiver em uma situação mais volátil e incerta, ela pode investir em experimentação e dar espaço para a auto-organização dos liderados.

Tomada de decisão com Cynefin® na prática

Para dar uma visão prática da utilização desse framework, seguirei um exemplo simplificado de um executivo que está enfrentando uma série de desafios relacionados às estratégias de utilização de Inteligência Artificial Generativa (Gen-AI) na sua empresa.

Nesses cenários, algumas das questões críticas que precisam de tomada de decisão e que estão “na mesa” deste executivo são:

  1. Como treinar nossos líderes em Gen-AI?
  2. Como se posicionar no mercado sobre o assunto?
  3. Qual dos fornecedores que estão me oferecendo soluções devo contratar?
  4. Devemos disponibilizar a tecnologia com acesso livre para os funcionários?

Agora, considere fazer as seguintes perguntas para cada uma dessas situações:

  • Eu sei exatamente o que fazer para alcançar o objetivo esperado?
  • Preciso do apoio de especialistas para decidir o que fazer?
  • Preciso experimentar coisas diferentes para decidir o que fazer?
  • É crítico fazer algo imediatamente já que a situação está descontrolada?

Ao analisar o seu contexto, e colocar as perguntas em extremos de um retângulo, o executivo do nosso exemplo chegou ao seguinte resultado:

Perceba que nessa distribuição os itens não foram posicionados como se houvesse apenas quatro áreas bem definidas no retângulo, mas sim como se cada eixo fosse um atrator e cada item pudesse ter alguma relação com mais de um eixo. Por exemplo, o item sobre a escolha de um fornecedor aparece como “Sabemos exatamente o que fazer”, mas também tem uma visível criticidade para a ação imediata. Ou seja, não estamos falando de um quadrante, mas sim de um mapa que possui “n” pontos de localização.

Agora, ao sobrepor a imagem do Cynefin ao retângulo, cada uma das situações começa a fazer sentido para uma tomada de decisão contextualizada.

Primeiramente, ao analisar o item de contratação de fornecedores, percebemos que o executivo do nosso exemplo está em um contexto à beira do caos.

Temos aqui uma situação em que a decisão já deveria ter sido tomada, talvez há algum tempo, e que possivelmente uma busca por consenso ou o temor em ser rígido demais na decisão está criando uma paralisia que retarda a ação.

O Cynefin mostra que em uma situação de domínio “Claro” precisa de rápida categorização e ação, e de restrições rígidas, o que também exige um comportamento de liderança mais incisivo e de preciso comando.

Vale observar ainda sobre este item que o movimento em direção ao caos pode mudar consideravelmente a forma com que o executivo precisa agir – caso a decisão não seja tomada em tempo hábil.

O domínio “Caótico” gera uma situação de crise em que as restrições se perdem e uma ação abrupta precisa ser tomada mesmo sem entender claramente o que está acontecendo.

No nosso exemplo, isso poderia significar que a demora em tomar a decisão sobre o fornecedor fizesse com que nenhum deles conseguissem mais nos atender em um curto-prazo, e agora não temos mais como seguir com nossos planos para Gen-AI, ao mesmo tempo em que essa notícia se espalha pela empresa, e pelo mercado, uma série de consequências inesperadas levam o contexto à uma intensa crise.

Agora, olhando para o domínio “Complicado”, aquele no qual o envolvimento e análise de especialistas é essencial para uma boa ação, encontramos dois itens. O primeiro, que se posiciona quase na fronteira com o “Claro”, está relacionado ao treinamento da liderança, tema no qual a participação de pessoas do RH, como especialistas em aprendizagem, seria importante para uma melhor ação.

No entanto, o fato do item estar em uma tensão com o domínio “Claro”, mostra também que o executivo possui uma certa clareza em diversos aspectos sobre esses treinamentos, e, portanto, teria uma participação mais leve dos especialistas, talvez quase que de uma forma consultiva.

O segundo item no domínio “Complicado”, que diz respeito ao posicionamento no mercado, evidencia uma forte dependência de especialistas, possivelmente da área de comunicação da empresa, dado que está quase no extremo topo do domínio. Além disso, há uma potencial necessidade de experimentação leve, uma vez que está começando a se aproximar do domínio “Complexo”.

Por fim, o item relacionado a forma com que a Gen-AI será disponibilizada para os funcionários demonstra uma visível incerteza no que é melhor a ser feito. Há vários pensamentos diferentes sobre o que poderia funcionar, e muitos possíveis prós e contras em cada uma das ideias. Mesmo benchmarks possivelmente analisados não parecem ser adequados para o contexto que o executivo vive.

Para piorar, a situação se mostra consideravelmente volátil, já que as ferramentas e possibilidades com essa tecnologia mudam com frequência e, algumas vezes, de forma abrupta. No domínio “Complexo”, o Cynefin aponta para contextos onde fazer várias sondagens paralelas, e possivelmente conflitantes, é o melhor caminho para descobrir o que realmente levaria a um melhor resultado.

Nesse caso, o executivo poderia, por exemplo, escolher três grupos diferentes na empresa para testar estratégias variadas de disponibilização da tecnologia para então descobrir o que melhor funciona de verdade.

Perceba ainda que esse item tem uma certa aproximação do domínio “Confuso”, no centro do framework, o que poderia também nos dizer que o executivo do nosso exemplo ainda não conhece suficientemente bem sobre a situação para tomar uma decisão, e precisaria trabalhar na granularidade do item – quebrando-o em itens menores – para entender um melhor posicionamento no Cynefin.

Um possível caminho para o fim das dicotomias

Nos últimos anos, nossos ambientes empresariais e sociais foram invadidos por dicotomias, tais como: liderar de forma colaborativa ou com comando e controle, ter disciplina ou ser rebelde, ser tradicional ou inovador, trabalhar remoto ou presencial, fazer gestão de projetos ou de produto, utilizar Waterfall ou Agile, a lista é longa.

A questão é que nenhum sistema social, como são as empresas, vivem em um único domínio do Cynefin, sendo portanto impossível definir um único estilo de liderança ou uma única prática como “a melhor”.

Para o executivo, a introdução do Cynefin no seu cotidiano pode representar um divisor de águas pois, enfim, o permite ter em mãos algo que o ajude a praticar uma liderança mais contextualizada e situacional.

Se, como executivo, consigo compreender com mais clareza os vários contextos que estou envolvido e posicioná-lo de forma adequada no Cynefin, posso escolher, e me desenvolver, em estilos de liderança e práticas mais apropriadas para cada situação e, consequentemente, ter melhores resultados para o negócio e para mim mesmo.

*artigo publicado na HSM em 26 de abril de 2024
https://www.revistahsm.com.br/post/o-valor-pratico-do-cynefin-para-executivos